As “coisas que são” e as “coisas
que não são” se parecem muito. Mas muito mesmo. Às vezes a gente até confunde
qual que é qual. Pra ser bem sincero, vejo pouca diferença entre elas. A
principal é que as “coisas que são”, existem. As “que não são”, bem... não.
Como
isso é bastante confuso, recorro ao filósofo que sempre dizia que “uma coisa é
uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Entendeu? É, é difícil mesmo compreender.
Vou tentar exemplificar: quando eu era criança eu tinha um amigo imaginário.
Ele era azul. Já não me lembro o nome, mas que era azul, era. A gente brincava
o dia todo. Era muito legal. E ele existia pra mim. Ele falava comigo. Ele tava
junto nos momentos bons e nos ruins. Era meu amigão. Um dia me falaram que ele
não existia. Logo briguei: “Ele é meu! Saí daqui seu invejoso”. Passou o tempo
e percebi que só eu o via. Só eu o escutava. Só eu achava que ele era. Na
verdade, ele não era. Ele nunca foi. Ele pertencia às “coisas que não são”. Mesmo
eu achando o contrário. Que pena! Eu estava enganado. Depositei muita atenção a
ele e hoje ele nem é azul, nem branco, nem cor de burro fugido. Ele faz parte
das “coisas que não são”.
Desde aquele
dia, tenho me esforçado para colocar tudo em seu devido lugar. As “coisas que
são” de um lado, as “coisas que não são” de outro. Deixo tudo arrumadinho para
evitar decepções, mas nem sempre consigo. Criei até um jeito próprio pra categorizar
isso. Por exemplo, as “coisas que são” a gente pega, apalpa, mostra na foto,
joga pra cima. As “coisas que não são”, bem... não.
Não
pense que foi fácil assim distinguir uma da outra. Foram anos de tentativa e
erro. Mais errando que acertando, mas sempre tentando. Nesse tempo, aprendi que
“as coisas que são” ocorrem naturalmente. Deu um jeito leve, com fluidez.
Quando você menos percebe, elas já são e pronto. Agora, “as coisas que não são”
são mais difíceis. A gente tem que insistir muito para que elas aconteçam. Aí
forçamos a barra para ver o que é invisível. De fato acreditamos nelas, mas o
tempo nos mostra a verdade. Ele sempre mostra. Algumas coisas não são. Por mais
que tentemos, elas simplesmente não existem.
Acredito
ainda que o que é verdadeiro chega até a gente. Como num imã na geladeira. Já o
que não é, é repelido, afastado. Pode fazer força para se aproximar, mas está
sempre longe. Sabe o porquê? Porque essa coisa simplesmente não existe. A gente
quer que exista, mas é pura ilusão. São “coisas que não são”.
Já
estou velho, barbado, com cabelos brancos e jeito ranzinza. Ainda tenho
saudades do meu amigo imaginário. Sei lá, força do hábito. Nunca o esqueci de
verdade. Vai ver, quem sabe ele que pertence às “coisas que são” e eu, bem...
não.