A dose

19:27 by Bruno Godinho


Desceu queimando o peito e quase voltando. Era assim que sentia toda vez que engolia esse troço amargo, viscoso como o pus, que aparenta ser suco biliar e que cheira a fluído de freio batido com enxofre. Ô coisa repunante e repugnante!

Mais um gole e mais uma cara feia era feita, quase sempre seguida de um urro de desespero. Não há em todo o mundo aguardente mais forte e nem caninha mais bruta. Mesmo assim, lutando contra seu estômago o cliente batia no balcão e insistia ao amigo garçom mais um trago. O velho barman passara a vida servindo isso. Conhecia todos os tipos de reação da clientela: tinham os que perdiam a cabeça e partiam para a briga; os que se sentiam fortes, ricos e queriam dominar o mundo; e a maioria, os que assim como este, incontrolavelmente choravam. E não eram lágrimas comuns. Muito pelo contrário. Era o soro da vida pingando das pálpebras como se fosse o próprio sangue expulso do coração. Não por emoção, mas por desesperança.

A gota que escapava à córnea escorria pela maçã trêmula do rosto e corria por toda a face amargurada adentrando até pelo nariz. Às vezes, a respiração ofegante era interrompida pela apneia do choro cortando toda a inspiração. Sorte do cliente, pois diante de tanta dor se afogar na própria lágrima até que não seria má ideia nesse momento.

Ainda fraco e com o estômago em chamas, levantou a cabeça e pediu a garrafa toda. O garçom negou afirmando que nem o mais valente dos homens e nem a mais vigorosa das mulheres conseguiria virar todo o conteúdo de uma só vez. “Por isso existe o dosador” - Explicou.

Desesperado, o cliente partiu para a súplica: “Por favor, sirva-me então mais uma dose agora! Preciso de uma vez engolir todo o meu orgulho”.

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