A cidade cinza

10:42 by Bruno Godinho

- No meu tempo era bem diferente
- Diferente como?
- Ah, diferente diferenciado. Doutro jeito.
- De que jeito, vô?
- Só tinha sete cor. As cor do arco-íris. Era uma belezura quando chovia e fazia sol. Uma beleza que Deus fez. Aí o homi não contente fez logo um monte de cor nova pra pintar retrato.
- Pra pintar retrato?
- É, acho que foi aquele Leonardo da Vinte ou algum cumpanheiro dele. Foi misturando cor com cor pra fazê suas pintura e acabô inventando um monte de coloridos novo.
- Mas isso é bom, não é?
- Ah, tava tudo até bunito. Tinha as cor que Deus fez, as cor que o homi fez, mas não parou aí. Veio a cor da máquina.
- Que máquina?!
- Uai, essas que você fica fuçando. Quando esse tal de computador começou a mostrar as asinhas foi um Deus nos acuda. Aí já era cor pra tudo quanto é lado. Dava pra encher uns três curral desse com cor e ainda não cabia tudo. Ô lezêra!
- E tudo ficou mais bonito, né?
- Ficô foi nada, menino. Aí bagunçô de vez. E piorou quando a ciência fez até cor invisível.
- Como assim, vô?
- É um tal de infravermeio, ultravioleta, raio-x, gama, fama, lama... e o diabo a quatro. É um monte de cor colorida, mas que ninguém vê. Vê se pode? Ai ai... fico macambúzio.
- O senhor fica macambúzio com as cores de Deus, do homem, da máquina ou da ciência?
- Nem um, nem outro. Tava aqui pensando: com tanta cor nesse mundão muderno aí à fora, ninguém ainda conseguiu tirar a cor cinza e triste de Sum Paulo.

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O Iluminado

10:44 by Bruno Godinho

Acordava à luz da lua

Dormia à luz do dia

Vivia à luz neon

Respirava à luz negra

Desconhecia a luz própria

Fugia da luz de Voltaire

Sentia fria a luz da lareira

Idolatrava a luz do ouro

Desejava a luz do flash
Desconfiava da luz divina



Em meio a tanta luz, seus olhos se ofuscaram e já não se via mais nada. 
Sem enxergar o caminho, refugiou-se na escuridão. 
Agora, já não há mais luz.

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Tourada

12:38 by Bruno Godinho

O toureiro e o touro são um só ser que trava uma infinita luta interna.

Um balé sangrento e voraz, onde o bem e o mal, o certo e o errado, o forte e o fraco digladiam pela glória num Coliseu lotado.

Uma batalha em que o principal risco não está no chifre ou na espada. O perigo está na platéia.

Olé.

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A maldição do tesouro real

04:28 by Bruno Godinho

Frederico sempre foi um cara pacato, tranqüilo. Nunca ofendeu ninguém, nunca magoou ninguém. Um dia se apaixonou por Bianca, uma loira linda, com curvas salientes e pose de princesa. Pra ele foi paixão à primeira vista. Pra ela, a prazo. Em trinta, sessenta e noventa.

Enquanto o rapaz galanteava a moça com mimos e presentes, ela pouco queria saber dele. Era “só mais um” , dizia Bianca.

Aos poucos a insistência de Fred foi se intensificando. A paixão platônica se transformou em declaração de amor. A declaração, em vício. Vício?! Sim, e quem disse que o amor não vicia?

Diante de tanto amor não correspondido, Fred encorpou os mimos e incrementou os presentes. As flores se tornaram jóias. As cartas viraram cartões de crédito. A carona, carro.

Dia após dia, ela foi olhando com outros olhos para moço. E o promoveu de um qualquer a um príncipe.

E como em toda história de príncipe e princesa eles se beijaram, namoraram, casaram, tiveram filhos e viveram felizes para sempre. Bem, felizes pelo menos enquanto estavam acordados, pois ao colocar a cabeça no travesseiro, Fred não parava de se questionar se Bianca estaria com ele apenas pelo dinheiro. E ao deitar, Bianca chorava escondida se perguntando se apaixonara pelo homem ou pelo que ele proporcionava.

E foi assim, noite após noite até que a morte separou em carne o que já estava afastado em alma. Fred e Bianca se foram, mas seus bens ainda estão por ai fazendo muitos outros casais felizes. Pelo menos durante o dia.


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