O DIA EM QUE MORRI

16:43 by Bruno Godinho

O dia em que morri foi um daqueles para ficar pra sempre na memória. Bom, isso se meu cérebro ainda conseguisse gravar algo. É engraçado, mas quando morto você consegue ver tudo com outros olhos, mesmo que já tenha doado as córneas.

Ah, o dia em que morri. Que dia! Pensei que minha vida seria mostrada como num filme ou Data Show, mas me enganei. Não vi toda minha vida, só as partes em que vivi. Lembrei do pique-esconde na casa da avó; do gol meio que de canela que garantiu a vitória do meu time; lembrei imediatamente do primeiro beijo. Também do último beijo. Ou melhor, de todos os beijos, numa seqüência de dar inveja às comédias românticas de Hollywood. Recordei o dia em que eu e meu pai ganhamos na Canastra e meu irmão teve que pagar uma prenda. E como me esquecer da primeira volta na BMX surrada, da minha primeira vez suada, do primeiro amigo, do primeiro sorriso... era a primeira vez que morria, e senti como se não fosse a última.

É engraçado assistir de camarote ao meu enterro e ver meu chefe, mas não pensar no trabalho. Ver meus pais, mas nem lembrar daquela surra com galho de árvore. De ver meu amor, meus amores, e não perceber que um dia a elas deixei cair uma gota de lágrima das minhas vistas já doadas. Olhei a tudo como quem vê uma estação de ônibus lotada e espera o veículo partir. Olhei, vi, sorri.

Distante da frustração dos que lamentavam minha ausência, me senti aliviado. Eu estava longe também dos problemas que me cercavam, dos dilemas que me perseguiam e daquele grilinho bobo que eu cultivava em minha cabeça, agora em decomposição, mas que não me permitia dormir. Enfim, descansei em paz.

Ah, o dia em que morri. Finalmente percebi que já estava morto há muito tempo e que tem gente caminhando sobre a Terra sem nunca ter vivido.

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Esta é uma singela homenagem ao meu primo postiço, Jávier Godinho. Mesmo sem saber, este homem me inspira a tentar escrever tão bem quanto ele, a buscar em mim a religiosidade que nele há de sobra e, principalmente, a viver.


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1 comentários:

Bruno Godinho disse... @ 11 de outubro de 2009 às 06:02

Nossa... relendo o texto vi quantos erros gramaticais e de concordância. Agora sim deu vontade de morrer. heuheuhe

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